sexta-feira, 6 de abril de 2007

A Arte de Viver

O que é mesmo o artista da vida? Alguém que se coloca do lado luminoso e que adota a senha Viver numa boa – Se você anda preocupado, a culpa é sua?
Muitos piscam o olho, concordando: Vive melhor quem acha que Deus é gente boa e que o torto é direito. O que importa é não querer abarcar o mundo com as pernas. E sobretudo não esquentar a cabeça!
Viver numa boa, portanto?
Ficar mais pesado, viver mais leve. Foi Paul Celan que disse isto. Muito distante da divisa da vida do antiqüíssimo tipo do “galanteador” ou “pisa-mansinho”. É antes o antiprograma de tudo isto. É – em poucas palavras – a melhor resposta ao que constitui realmente a arte de viver.
“Ficar mais pesado, Viver mais leve.” Esta é de fato uma arte: Não excluir os focos de tensão, mas viver equilibrado. Reparar o que possui verdadeiro valor e que com isto da peso à vida. E jogar fora o lastro inútil. Juntar as duas coisas: pés no chão e abertura. Ter raízes, mas viver com liberdade. Ligado a terra, voltado para o céu.
O artilheiro espiritual que acomete com ímpeto para conquistar o céu apenas fica perdido em suas próprias fantasias. Mas quem apenas fica colado ao chão também não pode levar o céu dentro de si. Por trás disto se esconde em primeiro uma experiência psicológica: felicidade e infelicidade têm suas raízes em nossa própria vida. Aquele que quer viver feliz não precisa primeiro revolucionar o mundo, nem também arrumar as condições externas de acordo com seus gostos e idéias. Olha para dentro de ti, conhece-te a ti mesmo. O caminho para a felicidade está voltado para dentro – pelo menos de início. Pois aquilo que procuramos e aquilo de que temos medo e de que fugimos, nós o carregamos dentro de nós. Nosso próprio coração, nossa realidade própria, este é o humo propício para a plantinha da felicidade.
Por trás de tudo isto se encontra também uma firme convicção: de que o desejo do céu, de uma “vida eterna”, se encontra indelevelmente implantado em nós, ou mesmo que esta é a verdade verdadeira – mesmo que escondida ou mascarada ou encoberta ou soterrada. Quem não percebe o mistério da transcendência, perde a grande oportunidade de sua vida: “viver em plenitude”.
“Viver em plenitude”: esta imagem significa que o céu pode ser encontrado no dia-a-dia, no aqui e agora, e não é adiado para um além, para algum dia. Nós podemos também aceitar com tranqüilidade nossas limitações. O que podemos experimentar já agora é o mesmo que esperamos em plenitude. A tensão entre expectativa e realização nos mantém vivos agora – e um dia será suspensa em definitivo, na realização de todos os nossos anseios. O fato de sermos limitados, portanto, não nos obriga a considerar a vida convulsivamente “como última chance” e devorar o máximo possível com pressa e sofreguidão. O pesado torna-se leve quando a idéia da morte desperta a gratidão por estarmos vivos, quando me torna atento para viver agora consciente.
Ser feliz ou infeliz também possui uma raiz espiritual. A conseqüência é, portanto: estar atentos àqueles momentos em que a eternidade penetra no tempo, em que toda pressa e toda febre deixa de existir, em que todos os conflitos de repente cessam. A relação com o transcendente é fundamental. É ela que constitui meu verdadeiro valor. É a base onde eu encontro segurança. Mas sem o céu sobre nossas cabeças, nós perdemos o chão sob nossos pés. É parecido com a árvore que se enraíza no solo, mas tira sua força também dos ramos, das “raízes aéreas”, da orientação para cima. Este buscar o transcendente nos põe em contato com uma força que tudo transforma. É este o ponto decisivo, pois a força que me fortalece, que me santifica e me preserva inteiramente, é o amor. Quem põe isto em prática consegue levar uma vida diferente.
Mesmo que não existam receitas nem instruções expressas e sistemáticas para esta vida, esta visão não deixa de ter conseqüências bem práticas para o dia-a-dia, para o convívio conosco mesmos, para nosso trabalho, para nossas relações com outras pessoas, para nossa compreensão, para a organização do nosso tempo. E para a nossa atitude perante a vida.
Seja quem você é – mas não fique sempre circulando em torno do próprio eu. Não se engane a si mesmo. Admita que você não é nenhum herói, e não se considere tão importante. Trabalhe suas fraquezas. Mas não fique vidrado nelas. Deixe-as. Se aceite com suas incoerências, com suas contradições. Pois só se você suportar a si mesmo é que poderá ir adiante. Só então é que você pode ser compassivo para com os outros.
Libertei-me das expectativas que os outros criam em torno de mim. Vivo eu mesmo, sem me deixar determinar pelas pressões de fora. Não me acomodo, mas procuro estar em harmonia com meu núcleo mais profundo e eu não só hei de encontrar harmonia para mim mesmo, mas poderei irradiá-la para os outros. Busquei relações profundas e aceitei-as na amizade e no amor, como um presente. Confiei no amor – e vou até o fim. Só vejo bem com o coração.
Dou um sentido ao meu trabalho, mas não me deixo absorver por ele. O que importa na vida é o equilíbrio. Aproveito o tempo para encontrar-me e para encontrar os outros. Não deixo que o estresse cotidiano tome conta de mim. Procuro o silêncio. Quem deseja mudar, quem deseja amadurecer e crescer precisa ter um espaço de descanso. Deixei minha alma respirar. Não me deixei abater pelas derrotas nem pelas feridas. Tudo pode virar oportunidade.
No centro desta arte de viver encontra-se uma profunda confiança, que é capaz de dizer: Não se preocupe. Viva agora. Esteja por inteiro no momento presente e desfrute-o. Isto não representa um afago para pessoas mimadas. Pelo contrário, quer dizer: Despertei para a vida. Não estou a todo o momento com a cabeça em outro lugar, mas aqui, com você, com aquele que lhe está próximo, naquilo que importa neste momento. Não fico preso ao que um dia já foi. Deixo pra lá.
Ficar mais pesado, viver mais leve. As duas coisas podem andar juntas: o deixar pra lá e a plenitude, o céu e a terra, o tempo e a eternidade, o humano e o divino. A arte consiste em acolher um e outro, sempre de novo mantendo o equilíbrio entre opostos.
É difícil esta arte de viver? É e não é. Mas no fim ela traz uma alegria supraterrena, que paira entre o céu e a terra. Pois a arte de viver culmina em uma frase de Santo Agostinho: “Aprenda a dançar, contrário os anjos no céu não saberão o que fazer com você”.

Isto lembra – transpondo as épocas – uma citação de Nietzsche: “O bem é fácil. Todo divino tem os passos leves”.

4 comentários:

Anônimo disse...

tudo é menos/ do que é/ tudo é mais. Interessante esse teu post, essa interpretação, me levou a refletir na simbologia esotérica de Paul Celan.

Beijos

Erik disse...

"Ai, como é dificil sermos nós!"
Uma feliz Páscoa!

Carlinha Salgueiro disse...

Belissímo texto, busco ainda alcançar esta plenitude do viver... Estou quase lá, porque isto tudo está aqui, agora.
Beijos e ótima semana!

Anônimo disse...

Que texto,hem amigo!!
Pura reflexão.
Mas não sei se consigo atingir...
Abração e uma otima semana a vc